Está só a começar


Querias saber o que me ia na mente enquanto delineava numa folha de papel. Ainda queres? A folha encontra-se branca como pó-de-talco, cercada por traços invisíveis que se perderam numa imaginação que não me ocorre mais, num momento que me passou por entre os dedos e já vai longe… bem longe.
Desvaneceram-se nos braços do vento todas as flechas pontiagudas que nos foram atiradas, todas as armas tribais com que nos feriram, o mundo inteiro que nos excluiu de sonhos e memórias. Cegaram-nos estes malditos abutres que nos querem roubar o corpo pois a alma já fora rasgada pelas palavras sujas que nos cuspiram e por todas as pedras carregadas de sangue.
Daqui vê-se o mar embebido em raios solares extremosos e desvelados. Sinto no ar uma leve fracção de mousse de manga que me conduz à insanidade, enquanto me perco nas inconscientes batidas de uma música com sabor a indie. Daqui vejo para lá do horizonte, para lá das estrelas e das vidas que partiram. Vejo acima dos deuses do Olimpo que de lá fugiram em tempos de crise; vejo para lá do inevitável e de tudo o que se podia ter evitado nesta ampulheta que nunca se cansa de jorrar areia brusca e suja.
Daqui vê-se o mundo ao contrário. A Lua é azul e a noite sabe a frutos silvestres. O sangue não corre pelas veias e os pensamentos não nos atraiçoam. O cheiro a baunilha entranha-se nos cabelos e os diamantes cobrem-nos os lábios. Aqui, a vida ainda só está a começar.

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