Ares ingleses


Sabes tão bem quanto eu que o Mundo se está a desmoronar. Cada esquina por que passas, cada rua que cruzas ou cada rosto que interceptas mostram-te o buraco que cavamos dia após dia, noite após noite. Mas esses rostos não te aquecem do frio londrino que te envolve a pele, não provocam raios de luz invisíveis por entre a chuva e o céu cinzento que te acompanham de casa ao trabalho, essa chuva que te arranca o ânimo da vida pois és o típico caranguejo que não desdenha o pico do Verão.
Quiçá tenhas uma surpresa. Um dia destes, quando chegares ao teu acolhedor apartamento de paredes beges e quadros abstractos, de lareira acesa sete dias por semana, sem esquecer o indispensável arroz doce que levaste no gosto da tua boca quando partiste da cidade Invicta, sempre presente no frigorífico.
Já faz demasiado tempo que somente te imagino de cada vez que me olho ao espelho, que crio a tua imagem mediante a tua voz ao telefone, sabendo lá eu se continuas com essa barba que sempre estimaste ou se os ares ingleses te fizeram exibir a olhos alheios essa frágil película morena que te cobre a carne. Mas uma coisa de certo não largaste: esse cabelo cortado pelas tuas próprias mãos, decisão que tomaste ao fim de anos, visto que te queixavas constantemente dos cortes do barbeiro que nunca ficavam como imaginavas. Ou esses lenços pelos quais te fazias acompanhar fosses aonde fosses, pois para ti um homem deve ter a sua imagem de marca. E como eu gostava da tua… Desse teu bom gosto e daquele teu humor enquadrado em cada canto da vida, do teu olhar expressivo capaz de hipnotizar qualquer um.  
Raios, como me fazes falta. Como me faz falta acordar e não te ter a meu lado para te dar um beijo de bom-dia, de corrermos pela Foz no decorrer de uma manhã inteira, de jantar na varanda enternecidos pela quente brisa. Até as despedidas diárias que me levavam à faculdade e a ti à empresa me fazem falta. Agora estás aí, de fato e gravata enquanto eu dou por terminado o mestrado, ansiosa por apanhar o avião e ser também eu apanhada pelo frio de rachar, esperando que as tempestades nos devolvam o tempo perdido, esse tempo que nos repeliu sem nunca nos desligarmos, essa fase pedregosa que meramente a lira diz ser possível superar sem nunca perdermos o encanto que nos juntou.
Quem espera, sempre alcança, e também nós que esperamos uma vida somos capazes de esperar mais um pouco. Entregar-nos-emos a uma outra que não esta, valendo cada segundo todas estas milhas separados.

Comentários

Gabriela disse…
adorei, mas fiquei com algumas interrogações cá para dentro :b
ly, alwyas*

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