Complementaridades

Escuta-me bem. Abre a tua alma e deixa-me ler entre as entrelinhas que a vida foi deixando para trás. Ou tu, que vês o óbvio e deitas fora tudo o que encovo te parece. Deixa-me olhar para o teu interior e ver o que resta, ler sentimentos e pensamentos, tentar esconder desejos e vontades e arrancar todo esse negro que resguardas. Deixa-me ouvir o sussurro do vento por entre esses pequenos vazios, pequenas porções de alma incompletas pela vida. Ou por ti, que te sentas sobre a sombra de uma árvore e aguardas, pacientemente, que algum fruto amadureça e se deixe guiar pela força da gravidade rumo ao centro da Terra. Mas frutos, só no verão, tudo o resto são folhas caídas, galhos gelados e ramos floridos. Mesmo assim esperas como quem tem todo o tempo do mundo, como se os anos não passassem pela tua alma e nela não entrassem. Esperas porque te está no sangue, porque a intuição te segreda que a espera é a arma mais segura dos humanos, os provérbios que quem espera sempre alcança e a vida te vai deixando pistas de que a verdadeira magia encontra-se no que nos escapa por entre os dedos e por isso esperas para que tudo segures nas mãos, como o universo nos segura a nós numa imensidão desconhecida. Deixa-me puxar uma sombra e sentar-me nela também. Talvez assim te leia melhor essa alma enigmática que possuis, esse misterioso olhar com que levas a vida e a guardas num livro que vai crescendo dia para dia. Deixa-me tentar perceber que o completo está no incompleto, que a felicidade envolve tristeza e que questionar tudo o que nos surge no caminho é caminhar para o abismo do conhecimento humano. Permite-me compreender que fazemos parte do tempo e que ele não espera por nós mas que também não foge, que tudo o que parte regressa quando sente saudades e que mesmo longe desfruta de uma fracção da nossa alma irrequieta. Ensina-me tudo aquilo que sabes. Transmite-me tudo aquilo que te deixa tranquila para que fique também. Mostra-me o esplendor da vida tal e qual como o aprecias. Quiçá assim a minha alma fique similarmente incompleta. E sabe tão bem ter um pouco de vazio num mundo repleto de complementaridades.

Comentários

Salette disse…
...Lindo como sempre! Existem pessoas que ao passarem por este mundo fazem do seu ideal a tarefa de levar amor e sensibilidade aos corações que delas se aproximam. Quiçá temos aqui uma escritora no futura ;)
Beijinhos desta Mãe BABADA!!! :)
Vera disse…
Uau! Sempre que aqui venho consegues-me presentear com textos maravilhosos. Eu nem sei como te diga como gostei, mas esta frase, particularmente, adorei.
«E sabe tão bem ter um pouco de vazio num mundo repleto de complementaridades.»
um beijinho *
Vanessa ൪ disse…
Está lindo Ângela :)
Ameii *
TiagoM. disse…
adoro esta tua maneira de brincar com as palavras (:
p.s.: a música é muito booooa!
Diogo Silva disse…
Jamais haveria razão para temeres o vazio quando esse vazio é tão facilmente preenchivel...Basta querer ocupar esse espaço...é fazer um investimento no que somos. Gostei muito =)
Diogo disse…
Simplesmente Espetacular !
Diogo Silva disse…
Curiosamente a palavra que me apareceu aqui para aceitar o comentario foi "likers" adequadissima =) venho ca inumeras vezes mesmo nao andando a escrever a todo o vapor nos ultimos meses =)
Tatiana disse…
pois, há sempre as coisas boas :) mas muitas são más :/
Tatiana disse…
é verdade, aproveitar os melhores e não deixar que os maus nos deixem para baixo $:
Gabriela disse…
Como todos os outros este texto está lindo *.*
Obrigada toninha, és linda e eu sei que posso contar contigo!
O mesmo se aplica a ti! (L)

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