Hoje ficamos assim

Hoje não há mais nada a fazer. As lojas já fecharam, as ruas andam vazias e a noite está cada vez mais fria. Por hoje ficamos assim, a esperar que o amanhã se torne mais quente e o coração mais doce. Hoje trocamos apenas olhares, as palavras mantém-se nos segredos dos deuses e o ar já mal entra nos pulmões. Hoje o nosso ADN não coincide e não somos um no corpo de dois. Hoje o teu olhar não faz parte do meu como se nunca tivesses partido, não me aqueces a alma como em todos os finais de dia e o teu cheiro já não se mistura com o meu na criação de uma essência única e majestosa. Vou guardar cada estrela no meu bolso, etiquetar cada rua com o teu nome e encher as gavetas de memórias de outros tempos. Vou permitir que fiques em mim mesmo que eu não fique em ti, vou permitir que te mantenhas ligado às minhas ideias de uma forma oculta e misteriosa sem te retirar o véu que sempre usaste. O nosso tempo já passou. Já faz parte de outros tempos e de outras vidas. Já pouco nos diz, já pouco nos faz pensar, já pouco nos insulta ou nos anuncia. Por hoje ficamos assim, cansados e sem nada dizer; esperançados mas sem acção. A adrenalina não nos corre nas veias, o coração já pouco bate por nos vermos, as lágrimas já pouco escorrem pelas saudades que o vento nos traz um do outro. Hoje é assim que ficamos: quietos como uma estátua sem a coragem de proclamar uma simples pergunta, sem a audácia de cinco minutos lado-a-lado porque é bem mais fácil manter a distância a que as nossas almas já se habituaram. Mas tu continuas aí, num sítio onde sei que sempre estarás e ao qual sempre socorrerei quando, nalgum momento, carecer novamente de tudo aquilo que já tive. Mas hoje mantemo-nos em cantos da vida opostos, impedidos por um caminho sem ponte, a mil quilómetros de distância. Hoje nada temos de comum, as frases não se completam e o tempo passa-nos ao lado sem passar por entre nós. Hoje é assim que ficamos.