Talvez

Talvez não saibas, mas nós temos uma linha que nos separa desde sempre. Invisível e outrora bastante delicada, hoje nada a quebra. Separa as nossas almas e os nossos corações e por muito que tente passá-la por cima e chegar a ti, não consigo. Como elástica que é, puxa-me sempre para trás e apenas me deixa alcançar uma simples mensagem com uma vaga resposta. As coisas vão ficar assim para sempre, não vão? Talvez seja melhor, talvez esta noite me volte a perder por entre lenços molhados, talvez nem sinta a necessidade de te dizer baixinho o quanto sinto a tua falta, talvez me venha a arrepender por não ter feito mais. Ando a lidar a vida com supostos “talvez” e não gosto nadinha disso. A vida não pode ser vivida pelo amanhã porque nem sabemos se ele existe. Vários “quiçá” não formam uma certeza e quem me dera ter umas quantas na mão. E, voltando aos “talvez”, se calhar aquelas que quero de nunca vou ser dona. A vida, seja em que modo verbal for retratada, não de depende de uma só pessoa. Isso de dizermos que a vida é nossa e que mais ninguém tem nada a ver com ela é uma bonita ideologia mas não passa de meia dúzia de palavras que ficam pelo ar e são levadas com o vento. O ser humano funciona em grupo mais do que qualquer outro animal, e precisa sempre de uns quantos semelhantes para o acompanhar em qualquer saída ou em qualquer hora do dia. A razão mais óbvia para uma pessoa mudar é, sem tirar nem pôr, uma outra pessoa. Por muito que me tenha mantido fiel a todos os meus princípios e não tenha deixado de me alimentar de sonhos, a mudança foi mais do que clara. Vieste com tempo mas à pressa saíste, e quanto à porta entreaberta que deixaste, nem sequer sei como a fechar. Possivelmente achas que levaste tudo contigo, que nada ficou por dizer, que o tempo já tarda e perdermos bastante, que há loucuras que se tornam em erros e que muitos deles foram connosco. Pois por mim eu continuo louca e mando vir mais uns quantos erros. É preferível manter a forte linha que nos separa do que a ténue que nos aproxima, se ela se tornar um erro na tua cabeça e achares que é mais tempo a perder. Como em todos os casos, e quando digo casos falo em não-loucos como tu, a percepção da realidade acaba sempre por chegar e nos atingir como a seta do cupido. Por vezes é dura e magoa, por vezes só se sente uma picada e às vezes já fomos atingidos e nem nos apercebemos. As coisas estão o tempo todo à frente dos nossos olhos e nem isso vemos. É preciso tropeçar vezes sem conta, abrir umas quantas feridas, sangrar até ficarmos tontos e então é que as coisas ganham sentindo. Tenho a certeza de que contigo vai ser igual, e comigo também. Apesar de repararmos em coisas diferentes, vamos reparar e isso vai ajudar imenso. Tu que não estás a ser justo e eu que estou a ser tonta. Tu que deixaste assuntos por resolver e eu que tive demasiada vontade em resolvê-los. Eu que fantasio demais e tu que és um activo constante na realidade. E voltaremos aos “talvez”, dos quais provavelmente nem sairemos. Quem sabe se voltas como um bom amigo ou te tornas o número um da minha lista negra, mas mais importante, quem sabe se algum dia voltas. Até lá, fiquemos pelos “se calhar”. Pode ser que depois surjam as certezas.

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