Justiça, equidade e solidariedade social

Um princípio de base para uma vida boa é tratar as pessoas como pessoas, quer dizer: sermos capazes de nos pormos no lugar dos nossos semelhantes e de relativizar os nossos interesses para os harmonizarmos com os deles. Se preferes dizer a mesma coisa de outro modo, trata-se de aprendermos a considerar os interesses do outro como se fossem nossos, e os nossos como se fossem os dos outros. A essa virtude chama-se justiça, e não pode existir regime político decente que não pretenda, por meio de leis e instituições, fomentar a justiça entre os membros da sociedade. A única razão que justifica limitar a liberdade dos indivíduos é quando se torna indispensável impedi-los, pela força, se não houver outro modo, de tratarem os seus semelhantes, não como seres humanos, mas como coisas, bestas de carga, brinquedos, seres inferiores, etc.
As coisas podem ser "trocadas" umas pelas outras, podem ser substituídas por outras parecidas ou melhores, numa palavra: têm o seu "preço". (...) Pois bem, todo o ser humano tem dignidade e não preço, ou seja, não pode ser "trocado" ou substituído nem deve ser maltratado, em vista de benefício de outrem. (...) É a dignidade humana que nos torna todos semelhantes, justamente porque certifica que cada um de nós é único, não pode ser trocado nem é substituível, e detentor dos mesmos direitos a ser socialmente reconhecido como qualquer outro. (...)
A experiência da vida revela-nos na carne, até quando somos mais felizes, a realidade do sofrimento. Levar o outro a sério, pondo-nos no seu lugar, consiste não só em reconhecermos a sua dignidade de semelhante, mas também em sermos solidários com o seu sofrimento, com as infelicidades que, por erro pessoal, acidente ou necessidades biológicas o afligem, como mais cedo ou mais tarde nos podem afligir a todos. Doenças, velhice, debilidade insuperável, abandono, perturbações emocionais ou mentais, perdas do que é mais querido ou mais indispensável, ameaças ou agressões violentas por parte dos mais fortes ou dos menos escrupulosos...
Uma comunidade política desejável deve garantir, dentro do possível, a assistência comunitária aos que sofrem e a solidariedade aos que, por alguma razão, pouco ou nada podem ajudar a si próprios.


Fernando Savater


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